Charlatanismo no mundo espiritual. João de Deus.
- fionalyon
- Jul 21, 2015
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Americano teria morrido ao trocar tratamento médico por procedimento espiritual. Processo que estava parado desde 2003 terá andamento
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Médium corta paciente com instrumentos cirúrgicos sem assepsia e com as mãos nuas e chega a raspar os olhos com faca de cozinha; vídeos podem ser vistos na sala de espera da Casa Dom Inácio de Loyola
Andréia Bahia
As imagens das cirurgias feitas por João Teixeira de Farias, conhecido como João de Deus, são fortes. Em frente a câmeras e a uma pequena multidão, ele corta as pessoas — com instrumentos cirúrgicos sem assepsia e com as mãos nuas — e retira o que chama de nódulos de qualquer parte do corpo. Em alguns vídeos ele chega a raspar os olhos de pessoas com uma faca de cozinha. Os vídeos podem ser vistos na internet e na sala de espera da Casa Dom Inácio de Loyola, onde nas quartas, quintas e sextas-feiras, centenas de pessoas aguardam para serem atendidas. Semanalmente, são realizados cerca de 3 mil atendimentos e grande parte das pessoas que buscam a cura de doenças como o câncer vem de fora do Brasil. Foi lá, na Casa Dom Inácio Loyola, que a austríaca Martha Rauscher morreu no dia 2 de fevereiro. Essas imagens, que certamente configuram exercício ilegal da medicina, são o meio pelo qual João de Deus divulga seu trabalho, que já é reconhecido mundialmente e atrai gente simples e figurões como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a apresentadora Xuxa, a atriz Shirley MacLaine e até médicos conceituados, como Roberto Kalil Filho, do Hospital Sírio-Libanês e do InCor, de São Paulo. Pessoas que ignoram que ao realizar procedimentos médicos João Teixeira incorre em crime previsto no Código Penal brasileiro, como explica o promotor de Justiça Bernardo Boclin Borges. “Qualquer um que exerce a medicina ou se estabelece como médico sem o ser pode ser processado.”
De acordo com o artigo 282 do Código Penal, que trata do exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica, é crime “exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico sem autorização legal”. Para não configurar prática ilegal da medicina, religiosos de todas as doutrinas alegam que quem cura é Deus. Mas quem corta é o homem. Além desse, há outros artigos do Código Penal que atingem pessoas, como João de Deus, que prometem a cura. O artigo 283 criminaliza quem “inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível”. Isso seria charlatanismo e a previsão de pena é de três meses a um ano de prisão e multa. Prescrever, ministrar ou aplicar qualquer substância usando gestos, palavras ou qualquer outro meio e fazer diagnósticos também é crime de curandeirismo. “Muitas desses religiosos que prometem a cura por vários meios incorrem nos três crimes”, observa o promotor.
As cirurgias realizadas por João de Deus já foram mostradas em diversos programas de televisão e, em dezembro do ano passado, ele foi personagem do programa da americana Oprah Winfrey, uma das mais famosas entrevistadoras do mundo. Mas a divulgação maciça da atuação de João de Deus não provocou uma investigação por parte do Ministério Público. Segundo Boclin, a dificuldade em enfrentar esse tipo de situação está no fato de contrariar a crença popular. “Dentro da cabeça das pessoas esse tipo de tratamento surte efeito.” Mesmo assim, diz, caberia a polícia e às entidades médicas denunciar a situação. “E se há o ato, deve haver a investigação da polícia, o processo e a condenação.”
No Tribunal de Justiça de Goiás não há processo contra João de Deus por exercício ilegal da medicina nem por charlatanismo. Há uma investigação de 2003 pela morte do americano Javier Villa Real Bustus. De acordo com o processo, Javier teria abandonado o tratamento convencional que fazia contra aids para tratar com João de Deus e, mais tarde, veio a falecer no Hospital de Doenças Tropicais. Nesse processo, João de Deus está sendo investigado por homicídio doloso, com dolo eventual, ou culposo, quando não há intenção de matar. O inquérito ficou parado durante todos esses anos e só agora foi encaminhado para a Delegacia de Homicídios de Goiânia, que dará andamento à investigação. Em Abadiânia há outro processo contra João de Deus, mas corre em segredo de justiça. Casos que envolvem a família, crianças e adolescentes e os crimes sexuais têm esse tratamento pela Justiça.
Segundo a delegada-geral Adriana Accorsi a polícia não investiga se João de Deus atua ou não ilegalmente como médico porque não há denúncia contra ele. “Não há reclamação contra ele e muitas pessoas entendem que não se trata de exercício ilegal da medicina, mas de prática religiosa.” Além disso, afirma, a Polícia Civil não sai procurando casos para investigar, averigua aquilo que é denunciado, afirma a delegada. Caberia ao Conselho Regional de Medicina (Cremego) denunciar, como faz quando toma conhecimento da existência de falsos médicos. Todavia, o Cremego se nega até mesmo a falar sobre o assunto. A assessoria de imprensa da entidade, em resposta à solicitação do Jornal Opção, disse que o presidente da entidade, psiquiatra Salomão Rodrigues, preferia não se pronunciar sobre o tema.
O diretor de Comunicação do Sindicato dos Médicos, Robson Azevedo, diz que, apesar de respeitar a orientação religiosa das pessoas, médium ou quem quer que seja que esteja realizando procedimentos médicos, está incorrendo em exercício ilegal da medicina. “E isso é crime previsto em lei. Ele não pode invadir a área médica.” Para ele, se João de Deus realiza procedimentos invasivos cabe uma investigação policial.
Na opinião do psiquiatra Marcelo Caixeta, as entidades médicas não denunciam João de Deus porque não têm força para enfrentá-lo. “Quem é o Cremego para enfrentar João de Deus”, provoca. Segundo ele, as entidades médicas não conseguem inibir coisas mais simples, como a venda irregular de lentes de contato, os diagnósticos de profissionais da saúde que não são médicos, a realização de partos por enfermeiros. “A ilegalidade na medicina é brutal e parece que as entidades entregaram os pontos.”
Apesar de católico, João de Deus se intitula médium e afirma incorporar mais de 30 espíritos. Essas entidades é que realizariam os procedimentos médicos por intermédio dele. O nefrologista Devir Vêncio vê as intervenções cirúrgicas feitas por João de Deus com grande preocupação. Adepto da doutrina de Alan Kardec, ele afirma que o espiritismo não veio para concorrer com a medicina, mas para auxiliar. “A doutrina não aprova a cirurgia intervencionista, apenas o passe e o uso de água fluidificada.” Os médiuns espíritas, afirma, não interferem no tratamento médico, não mudam medicamento nem receitam remédios. “A medicina cuida do corpo e o espiritismo do espírito.”
Como médico, Vêncio se preocupa principalmente com o fato de João de Deus não ter preparo para fazer as intervenções e de não ter nenhum cuidado com a assepsia que envolve qualquer procedimento invasivo. Ele também vê com estranheza a venda de remédios fitoterápicos receitados aos “pacientes”. Ele conta que o espiritismo não aceita nenhuma doação em troca de cura. Na Casa Dom Inácio de Loyola, há locais específicos para a coleta de doações das pessoas. Ou seja, elas são incentivadas a doar.
Por se apresentar como médium, muitas vezes João de Deus é visto como um adepto do espiritismo. Prudente, o presidente da Federação Espírita de Goiás, Calci de Sá Roriz, diz que não “repudia” o que João de Deus faz. “Não somos contra ninguém que vem em auxílio das almas, mas não é o que nós fazemos.” Na opinião de Roriz, os tratamentos espirituais, que também são feitos no espiritismo, dispensam qualquer tipo de corte. Para ele, essas intervenções são feitas para impressionar. “Algumas pessoas precisam ser cortadas para acreditar na cura.” Ele não acredita que João de Deus aja de má fé. Considera-o uma pessoa bem intencionada e acredita no dom curativo dele. Todavia, observa, que as cirurgias com corte é que garantem a casa sempre cheia.
O psiquiatra Marcelo Caixeta também é adepto do espiritismo e acredita nos fenômenos espirituais. “Tenho convicção que a cura espiritual é possível.” Por outro lado, afirma, “há muito charlatães se aproveitando da boa vontade do povo.” Entre os charlatães estaria João de Deus, diz. “Uma coisa é ir ao centro espírita buscar cura por meio do passe, da oração e da água fluida sem comércio ou seguidores. O contrário do que se propõe João de Deus, que tem toda uma simbologia da roupa branca, dos seguidores, da cirurgia com corte.” Para Caixeta o que João de Deus pratica é charlatanismo e exercício ilegal da medicina. “Ele usa a psicologia do vencido: se morreu, foi Deus que levou; se curou, foi João de Deus que salvou.” Ele lembra que a medicina está repleta de casos de tumores que regridem naturalmente.
Marcelo Caixeta diz que João de Deus faz as cirurgias com corte “para fazer bonito”. “Ele não sabe nada de medicina, e se corta as pessoas isso já é indício de charlatanismo.” Segundo Caixeta, as cirurgias trazem fama e dinheiro para João de Deus. “Tem muita gente ganhando com isso e ele gosta é da fama, do entourage, da vida nababesca que leva sem ganhar um tostão, da paparicação.” Na opinião de Marcelo Caixeta, o que João de Deus pratica é puro charlatanismo. “Ele prejudica e engana muita gente. Conheço muita desgraça que ele fez e nenhuma graça.”
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Charlatão perigoso! Não confie nas pessoas assim!
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